segunda-feira, 19 de maio de 2008

Uma Bela Lembrança de Professor

PARA UM VERDUREIRO


Fernando Antônio Gonçalves

Aconteceu numa sala de aula de Faculdade e não virou manchete. Mas deixou para todos, e para sempre, uma lição inesquecível: de como não se deve esmorecer diante de obstáculos aparentemente intransponíveis. E o caso eu conto como o caso foi, relembrando Paulo Cavalcanti, um homem admiravelmente coerente que conheci, um dos patronos da minha existência.
Nas aulas do Sotero, simpático professor de Matemática Financeira, dos melhores da praça, ibope ótimo perante seus alunos, uma calculadora financeira é mais que necessária, facilitando operações para deixar os miolos discentes disponíveis para os raciocínios metodológico-estratégicos.
Um determinado aluno, de aparência muito simples, manifestou desejo de usar nos seus cálculos e provas a sua maquininha, daquelas que apenas fazem as quatro elementares operações, apelidada logo pelos colegas de “máquina usada na feira pelos verdureiros mais brocoiós”. E o aluno-verdureiro, pouco se lixando para o “apelido” da sua calculadora chinfrim, realizou todas as provas, saindo-se espetacularmente bem de algumas operações mais cabeludas, para isso usando o conhecimento de Aritmética e a inteligência que Deus lhe deu.
O resultado final? Foi aprovado e ainda mereceu elogios públicos do professor Sotero, um docente decididamente não-populista, muito embora competente e admirado por alunos e demais colegas de magistério.
E a lição deixada pelo aluno-verdureiro, que não vai aparecer no gente-que-faz, fez a cabeça de muitos, propagando-se pelos corredores e salas de aula daquela e de outras universidades: sem vitimismos, nem dolorismos, nem coitadismos, características próprias dos que se acostumaram a conviver numa cultura essencialmente paternalista, é possível ultrapassar as dificuldades do cotidiano, agigantando-se para novos combates, fortalecendo o ego para empreendimentos desafiadores.
Entregar-se à piedade bolorenta, proclamava Montaigne, é mais fácil e característico dos corações pouco enérgicos. E um provérbio mexicano adapta-se como uma luva à lição deixada pelo aluno-verdureiro: “O caminho sobe ou desce conforme se vai ou se vem. Para o que vai, sobe; para o que vem, desce”.
O aluno-verdureiro, que não pôde adquirir uma máquina financeira gota-serena, está indo muito bem, sempre ascendendo profissionalmente. Usando os talentos que o Senhor da História lhe emprestou por uns tempos, reconhecendo que as máquinas são apenas meios, os fins sendo alcançados por quem tem coragem e persistência.
Jornal do Commercio, 01.06.96

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